quarta-feira, 2 de junho de 2010

                              
     Reparam na folha de jornal onde alguém colocou os restos de um repasto destinado aos cães vadios que deambulam pelas redondezas, uns quantos bagos de arroz, ossos de aves completamente descarnados, dois pombos aproximam-se a avaliar a aportunidade, começa a soprar uma brisa, é já mais noite dentro do dia; de novo a esquina, onde duas mulheres de roupas berrantes continuam juntas, a mais feia, ou apenas a que está demasiado cansada, conta à outra uma história ou uma anedota, a da camisola encarnada brinca com um cão preto e branco, aproximam-se dois sujeitos, um deles conversa animadamente ao telefone e termina cada frase com um movimento amplo do braço, como se estivesse sempre a dizer tudo ou definitivamente, o outro, de argola na narina direita e grossas correntes tatuadas nos pulsos, a compor a aparência de saltimbanco, dirige-se às mulheres, a do cão afasta-se, vira as costas ao grupo e pôe-se a assobiar El Once; um cão fareja a folha de jornal, talvez não tenha sido o primeiro a encontrá-la, mas há ossos bastantes para pôr fim ao seu jejum.

1 comentário:

  1. Uma estrada acidentada, mas nem por isso, menos bela. Encantei-me com essa prosa.

    =)

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"...nem os reis iriam para o céu sem levar com eles os ladrões, nem os ladrões iriam para o inferno sem arrastar com eles os reis.", Padre António Vieira, 1641